A nova peça de Daniel Veiga, dirigida por Kleber Montanheiro e protagonizada por Daniela Flor e Daniel Costa, aborda temas como o luto, a incerteza do futuro e a incapacidade de lidar com as ruínas deixadas pela pandemia de Covid-19.
Com uma atmosfera distópica e carregada de simbolismo, "Um Céu de Assombro" promete uma experiência emocional intensa e profundamente reflexiva. O espetáculo estreia em 12 de setembro no Teatro Cacilda Becker, em São Paulo, e tem como pano de fundo um cenário pós-apocalíptico, no qual duas figuras isoladas tentam se conectar em meio aos destroços de um mundo devastado. Escrita por Daniel Veiga e idealizada pela atriz Daniela Flor, a peça nasceu da necessidade de transmutar em arte os sentimentos de luto, angústia e incerteza que dominaram a sociedade durante e após a pandemia de Covid-19.
Daniela Flor, que também estrela a peça, revela que a ideia de "Um Céu de Assombro" foi concebida após o impacto devastador da pandemia. O texto de Veiga foi escolhido para expressar essa crise coletiva de forma artística, oferecendo ao público uma maneira de lidar com a dor e o sofrimento que marcaram aquele período. "Como atriz, como artista, me veio a necessidade de transformar todos aqueles sentimentos em arte, que é a nossa função, transformar o mundo que a gente vive em arte.", explica Daniela.
O autor Daniel Veiga utilizou um texto anterior, "Coincidente", como base para a peça. Nele, um casal encontra-se em meio a escombros, em um diálogo truncado e tenso que, em "Um Céu de Assombro", expande-se para uma reflexão sobre a perda e o desconhecimento do que está por vir.
A trama acompanha dois estranhos, potencialmente inimigos, que se comunicam via rádio. De um lado, um homem solitário, um intelectual buscando sua esposa desaparecida. Do outro, uma mulher soldado, ferida e em fuga após desertar de seu grupo. Ambos estão entre ruínas de prédios, o que ecoa a destruição física e emocional do mundo que eles conheciam. À medida que o diálogo avança, o público é convidado a questionar as motivações de cada um, em um jogo psicológico permeado por incertezas.
Entre diálogos fragmentados e longos silêncios, o espetáculo reflete sobre o luto coletivo e individual, ao mesmo tempo em que especula sobre o futuro da humanidade. Esse jogo de tensões cria uma atmosfera de desolação, que, no entanto, não deixa de trazer à tona uma busca quase desesperada por conexão e empatia.
Com direção e cenografia assinadas por Kleber Montanheiro, a peça aposta em uma estética que combina o distanciamento do futuro distópico com a proximidade dos sentimentos humanos. Um dos elementos centrais da encenação é um grande relógio em cena, inspirado no Doomsday Clock (Relógio do Apocalipse), que foi criado para medir o quão perto a humanidade está do fim do mundo. O tempo do relógio avança e retrocede, acompanhando o desenrolar dos diálogos e reforçando a sensação de iminência do colapso.
A cenografia ainda se vale de elementos como areia e escombros no piso, que remetem ao deserto e à destruição. "Mesmo num escombro, mesmo na destruição, construímos uma beleza estética visual que aproxima a plateia e, ao mesmo tempo, cria um distanciamento acerca do que a estamos falando, de quem somos nós, do que estamos fazendo aqui e por que estamos caminhando para este fim", diz Montanheiro.
Além de abordar o luto pessoal e coletivo, "Um Céu de Assombro" faz uma crítica sutil à situação política e social vivida durante a pandemia, ressaltando a negligência e as perdas que marcaram o Brasil nesse período. Para o diretor, a peça é também uma forma de memorializar as vidas perdidas e de processar coletivamente as experiências traumáticas de isolamento e desespero.
O ritmo da peça, que alterna entre silêncios e fragmentos de diálogo, cria um espaço de reflexão profunda para o público, que é convidado a preencher as lacunas com suas próprias emoções e vivências. A metáfora do Doomsday Clock funciona como um lembrete constante de que a humanidade, ao não enfrentar adequadamente suas crises, caminha rumo à autodestruição.
"Um Céu de Assombro" é um espetáculo que transcende a narrativa convencional para explorar os sentimentos humanos mais profundos em um cenário que, apesar de distópico, ressoa fortemente com a realidade vivida recentemente. A peça oferece uma oportunidade para refletir sobre os desafios e as perdas enfrentadas pela sociedade e como podemos, através da arte, encontrar um caminho para processar e superar essas experiências.
A montagem ficará em cartaz até 29 de setembro no Teatro Cacilda Becker, com ingressos gratuitos, proporcionando acesso amplo a essa importante reflexão artística.
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