Talvez muitas pessoas digam que um ator aos 83 anos seja um velho. Eu digo: é um grande. A coluna de hoje continua tratando do mesmo tema: somos seres políticos. Principalmente porque, neste domingo (12), perdemos mais um soldado da boa luta. Faleceu, aos 83 anos, Paulo César Pereio.
Ele não é badalado como Fernanda Montenegro ou Laura Cardoso. Não virou nome de teatro como Raul Cortez, Cacilda Becker ou Paulo Autran. Ele faz parte de outra categoria de artista, que eu chamaria de os anarco-polêmicos, os transgressores, aqueles que chutam o balde e ficam pra ajudar a limpar a bagunça.
Não, isso aqui não é uma minibio tão em moda nos nossos dias. Também não é um epitáfio (coisa careta que ele detestaria). É um fluxo, um jorro de emoção e celebração por uma vida. Ele não foi santo, nem totalmente demônio. A ex-mulher Cissa Guimarães o colocou ele em cana por não pagar a pensão alimentar em 1994, e ele pagou. Ele era, muitas vezes, um duro. Ela estava certa. Não há o que discutir. Pereio passou seis dias em cana e fez um acordo.
E foi assim que ela botou em cana o cara que tinha feito no teatro espetáculos emblemáticos como: a primeira e a segunda montagem de Roda Viva, O Balcão, a primeira montagem de Os Rapazes da Banda, A Revista do Henfil. Foi na Revista do Henfil, ali por 1979 no teatro Ruth Escobar, que eu vi uma das cenas mais insólitas da minha vida. Ao final, Pereio entrava para os agradecimentos já com a bolsa, a indefectível e surrada bolsa de couro, pendurada no ombro — larga e mal-ajambrada — e saía pelo corredor no meio da plateia agradecendo a presença de todo mundo. Daí, ele ia embora para o botequim mais próximo do Bixiga. Era possível encontrá-lo em lugares como o extinto Orvietto (hoje Luna Di Capri) ou no falecido Gigetto, ali da Avanhandava, aquela rua que virou o cafonérrimo shopping-center gastronômico.,
Não foi só ator de teatro. Fez muita televisão. Não que ele gostasse. Mas, lembre-se, precisava pagar a pensão! E fez cinema. Fez cinema novo, fez cinema velho, fez cinema de arte e fez cinema comercial da pior e mais rastaquera qualidade. E em tudo era um toque de irreverência. Terra em Transe, Vai Trabalhar Vagabundo, o musical A Estrela Sobe, Lúcio Flavio — O Passageiro da Agonia, Chuvas de Verão, Eu Te Amo, Bar Esperança, Rio Babilônia, Dias Melhores Virão. Apenas para dizer alguns de seus mais de 60 filmes com alguns dos maiores e mais importantes diretores brasileiros.
Desde a pandemia, Pereio vivia no Retiro dos Artistas do Rio de Janeiro e dizia sentir-se muito bem com isso. Não acho de ‘bom-tom’ lamentar a morte de alguém que tenha vivido a vida tão intensamente; prefiro a celebração do talento, da arte e da resistência política que ele representou apenas por sua existência. E, se você espera que eu vá terminar esta coluna dizendo do que ele morreu, se enganou. Lembra que isto aqui não é um epitáfio?
Ele era bem intenso mesmo!
Não é um epitáfio, nem virou estrelinha. Ainda bem! 💓